A segunda parte de Ninfomaníaca, antes de ser um filme sobre
uma mulher viciada em sexo, é um protesto, um grito contra o machismo e contra a prisão
na qual a sociedade e, muitas vezes, as próprias mulheres colocam seus órgãos e suas vidas sexuais. Com quem e com quantos ficam não diz respeito a ninguém, somente a elas mesmas. Lars Von Trier desenvolve essa ideia gradativamente, mas sem nenhuma hipocrisia. Aliás, essa é a palavra contra a qual o filme luta, sem descanso, durante os pouco mais de 120 minutos.
Assim como as roupas dos atores, as máscaras das falsas boas
intenções do mundo são tiradas e jogadas no lixo pelo genial diretor.
"Liberdade!", é o que esbraveja Joe (Charlotte Gainsbourg), a cada cena, a cada homem que ela "ataca" inescrupulosamente. Apesar de
sofrer com a "doença", ela mantém sua convicção e não trai a si.
Experimenta tudo que julga necessário e, em nenhum momento, permite que o preconceito
faça dela prisioneira das próprias atitudes.
Se você assistir, cuidado para não cair na armadilha de
achar que a obra é uma putaria. Aqui, o sexo é usado somente como
argumento de libertação e como forma de tratar o preconceito e as angústias
existenciais sob o único aspecto que faz parte da vida de todos os seres
humanos e ainda é absurdamente tratado como tabu.
Mostrar peitos, vaginas e pênis na tela deveria ser o
caminho natural do cinema, uma prática que precisa deixar de ser vista como incomum,
em nome do fim do falso moralismo. Ora, que se cumpra a proibição para menores de idade em filmes específicos nos cinemas e que o mesmo seja feito pelos pais em casa, mas as grandes obras
precisam fugir do dualismo: não mostrar pessoas nuas ou fazer um filme
que será visto como "uma putaria" pela maioria.
Von Trier também traz controversas reflexões. "A pessoa que nasce com um desejo
sexual tão absurdo como a pedofilia e consegue passar a vida toda sem tocar em
uma criança, merece uma medalha", diz a desesperada Joe, sentindo pena
daquele tipo de ser humano que toda a sociedade tem nojo. "Por que eu não
posso chamar um negro de negro? Quando a sociedade não sabe como agir diante de
um problema, ela proíbe que palavras sejam ditas", reflete a ninfomaníaca.
Imagine se, por exemplo, o Travis (DeNiro), de Taxi Driver (1976),
aparecesse em nus frontais e fazendo sexo explícito com prostitutas. Esses fatos acabariam com a qualidade da obra
máxima de Scorsese? Para alguns hipócritas, sim, mas eu afirmo que não, meus
amigos. Mil vezes, não.
Finalmente. Se vocês forem maiores de idade, capazes de não
se impressionar com práticas sexuais, vão ao cinema do Bourbon Country até dia
04 de abril (16h ou 21h40), sintam a crítica e não caiam, pelo amor de Deus, no
lugar comum.