Boyhood, de Linklater
O histórico longa de Richard Linklater acompanha a infância e a adolescência de Mason Evans Jr (Ellar Coltrane), sua relação com os pais separados (Patricia Arquete, como Olivia e Ethan Hawke, como Mason) e sua irmã (Lorelei Linklater). Também mostra os tradicionais problemas enfrentados nessa fase da vida. A trilha sonora com Coldplay, Lady Gaga e Blink-182 e o encontro de fãs de Harry Potter contribuem para a identificação da geração nascida entre a segunda metade dos anos 1980 e a primeira dos anos 1990.
O pai tenta se aproximar de diversas formas, mas claramente não tem muito talento para lidar com crianças. A mãe carrega a família, educa os filhos com a ajuda de amigas, mas, ao mesmo tempo, prejudica a infância dos filhos casando-se com um professor alcoólatra, que a agride fisicamente.
A narrativa aproxima o espectador dos personagens, apontando suas inseguranças, principalmente do garoto e da mãe, cuja fala final resume a obra. Ela representa a mulher contemporânea, que já conquistou o direito de trabalhar fora, estudar, participar da sociedade de forma relativamente igualitária (ainda não totalmente justa), mas ainda tem sobre suas costas praticamente toda a responsabilidade na criação dos filhos. Ela educa e cuida. O pai leva para jogar o boliche e para pescar.Ela assume a posição da chata, que exige e corta os prazeres. Ele é o parceiro.
Enquanto o pai curtia a vida e conhecia diferentes mulheres, Olivia era mãe, estudante, profissional. Não existia como ela mesma, mas sim em relação aos outros, vivia em função dos filhos. Não vemos ela tendo momentos só dela. Olivia está presa dentro do ciclo trabalho/estudo/família.
O pai, por sua vez, é livre, passa a imagem de estar sempre de bem com a vida, mora com um amigo músico. O momento em que Junior é presenteado pelo pai com uma seleção das carreiras solo dos quatro Beatles é brilhante, marca o início da sintonia entre os dois.
Proposital ou acidentalmente, a reflexão final de Boyhood acaba ficando com a mãe, não com os filhos. Ela torna-se figura central a partir do momento em que assume a responsabilidade por todos que estão à sua volta. Esquece-se dela própria. Espero que a Academia lembre dela como atriz coadjuvante do ano.
Jogo da Imitação, de Morten Tyldum
Pouco festejado pela crítica, conta a história real de Alan Turing (Benedict Cumberbatch), o matemático responsável pela descoberta do código que contribuiu para o fim da II Guerra Mundial.A magnífica atuação de Benedict Cumberbatch aliada a essa história arrebatadora já bastaria para termos um excelente filme. Mas o diretor vai além.
Turing é um Sheldon Cooper (The Big Bang Theory) da vida real. Obstinado pela resolução do problema, ele ignora qualquer outra possibilidade de felicidade. Com a fiel colaboração de Joan (Keira Knightley), ele vive em função do trabalho, cria uma máquina para vencer a guerra a favor da Inglaterra.
A narrativa acerta por mostrar simultaneamente as duas lutas de Turing: a particular e a profissional, contra os nazistas. Ele desaba diante do próprio sucesso profissional, pois a vitória escancara a falência da sociedade burguesa da época. Um herói morto pelo preconceito.
Enquanto Selma exagera no caráter documental e A Teoria de Tudo detém-se somente no lado pessoal de Hawking, O Jogo da Imitação acerta em cheio no equilíbrio dos fatos. Grande filme. Emocionante.
Birdman, de Alejandro González Iñárritu
Birdman é, assim como O Lobo de Wall Street no Oscar anterior, um típico longa contemporâneo: contém humor, discussões ríspidas, sexo, cenas ágeis, trilha sonora com músicas conhecidas. Apesar disso, Iñárritu manteve o caráter experimental que marca sua carreira. Michael Keaton interpreta a sim próprio como o ator (Riggan Thomson) que quer provar sua capacidade para o público e para si mesmo. Ele é excêntrico, vive em busca de um injustificável sucesso.
Segundo o cineasta francês Jean-Luc Godard, cinema não é técnica, nem arte, mas um mistério. E é nesse ponto que Birdman transforma-se em uma obra exuberante. As perguntas ficam no ar, as razões pelas quais os personagens tomam determinadas atitudes são incompreensíveis. Iñarritu filma a imaginação do seu herói, confronta-o com seus maiores pesadelos. A narrativa não nos permite ter certezas.
Uma fábula sobre a eterna luta que o ser humano estabelece contra ele mesmo, uma batalha sem sentido, que só o leva à ilusão, ao fim, à escuridão. O truque de chamar um artista esquecido para esse tipo de papel já foi utilizado por Billy Wilder em Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950). O personagem de Keaton também lembra o palhaço falido genialmente interpretado por Chaplin em Monsieur Verdoux (1948). A disputa entre a vida do artista e a sua própria arte também foi encarada pela personagem de Greta Garbo, em O Grande Hotel (1932). "I just wnat to be alone", dizia ela. Keaton nem sabia o que queria. Parecia um gato louco correndo atrás do próprio rabo.
Viajamos com Edward Norton, Emma Stone e Naomi Watts, o brilhante elenco do filme do ano.