O prêmio de melhor filme está sendo disputado, de fato, por três longas. 12 anos de Escravidão, de Steve McQueen; Gravidade, de Alfonso Cuarón e O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese. Trapaça corre por fora. Azul é a Cor mais quente, de Abdellatif Kechiche, era possível concorrente em algumas das principais categorias, mas acabou desclassificado por um atraso de duas semanas no lançamento nos Estados Unidos e os ótimos Blue Jasmine, Álbum de Família e Inside Llewelin Davis injustamente não disputam a estatueta principal. No lugar deles, a academia preferiu o confuso e pretensioso Trapaça e Philomena, que apesar de ser um bom filme, não apresenta qualidades suficientes para tamanha glória e certamente perde para os três citados anteriormente.
Em poucas linhas, uma breve análise sobre os principais filmes do Oscar de 2014. Aí está.
12 anos de Escravidão, de Steve McQueen
Relata o drama real de
Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), escravo que fora sequestrado anos depois de ter conquistado a própria liberdade. A obra baseada no livro de 1941 escrito por Northlup desenterra uma página vergonhosa da história americana. É um filme totalmente necessário. Torturas e intermináveis sessões de açoites são prolongadas diante da câmera de Steve McQueen para que a história realmente seja sentida pelo espectador, praticamente um Tratamento Ludovico da vida real. Michal Fassbender (Edwin Epps)
tem atuação segura e elogiável como o sádico senhor de escravos, mas McQueen deixa claro quem deve brilhar e acerta em cheio. Lupita Nyong'o (Petsy), a serva mais competente e dedicada de Epps, transmite fragilidade e, ao mesmo tempo, raça e vontade de seguir em frente, de voltar a sonhar com um futuro onde a decisão sobre o que fazer com a própria vida caiba a ela, não ao seu senhor.
Com a preciosa ajuda da possível vencedora do Oscar de melhor coadjuvante do ano, Chiwetel Ejiofor segura o filme até o fim. Paul Danno rouba a cena como o desequilibrado John Tibeats, um dos carrascos de Solomon.
No fim das contas, diante de acontecimentos tão degradantes e tristes, mostrados de forma tão crua quanto sensível por McQueen, temos apenas dois vencedores; o cinema e o inconsciente coletivo, que começará a sentir mais repugnância e pena daqueles homens que se julgam superiores a outros homens.
Capitão Philips, de Paul Greengrass
O ufanismo americano mais uma vez é filmado e levado ao Oscar. Felizmente, desta vez, o prêmio não será entregue por Michele Obama e a academia não cometerá mais uma injustiça, como quando consagrou o fraco Argo, de Ben Affleck. O único quesito em que a obra de Greengrass supera a de Afleck é nas atuações. Tom Hanks entrega-se ao exigente papel do Capitão, e vai bem, embora falte a ele certa plasticidade e agilidade nas cenas de ação. Barkhad Abdi, em sua estreia, contracena com Hanks e convence totalmente como o pirata somaliano. A obra prende o espectador na cadeira do cinema e Greengrass, com sua câmera na mão, transmite de forma fiel a ansiedade do protagonista. Impossível fazer julgamentos ideológicos antiamericanos diante daqueles acontecimentos. O bom roteiro é minuciosamente produzido a fim de nos convencer de que, sim, O Capitão Philips e seus comandados são trabalhadores do bem e que os somalianos são os predadores, os invasores. Finalmente, as duas atuações, combinadas com uma direção pertinente e um roteiro muito bem desenvolvido, merecem as indicações e, talvez, as estatuetas de roteiro adaptado e de ator coadjuvante.
Ela, de Spike Jonze
O argumento inicial: Theodore (Joaquim Phonenix), um homem antissocial e decepcionado com seu antigo relacionamento se apaixona por um sistema operacional que se chama Samantha (Scarlett Johansson). Qualquer indivíduo em sã consciência duvidaria do sucesso dessa história. Mas, para o bem da arte cinematográfica, Spike Jonze insistiu nessa ideia aparentemente absurda. Ele desenvolveu seu protagonista e seu roteiro de forma tão concisa e convincente, que começamos a entender aquela paixão e achar tudo normal e aceitável. Inclusive, a máquina passa a nos provocar sentimentos, pois ela também os tem e os demonstra de forma insegura. "Às vezes eu penso que seríamos mais felizes se eu tivesse um corpo", diz ela. Nesse momento, já nem lembramos que por alguns instantes aquela relação nos pareceu impossível. Ao decorrer do tempo, Theodore passa a ignorar o mundo ao seu redor, chegando ao ponto de sentar na praia com seu fone e conversar apaixonado com Samantha. É um convite irresistível para que entremos de vez na história e ignoremos qualquer lógica. O fato é que a máquina e o homem estão se amando e não há nada que possamos fazer. Phoenix está incrível no papel, contracenado com fones, computadores, videogames e, às vezes, com Amy Adams, que interpreta sua única amiga, Amy. Diante de algo tão extraordinário, impossível não entregar a estatueta a Spike Jonze.
Trapaça, de David O. Russell
Trapaça paga um alto preço por ser “um filme de Oscar”. Mesmo que não seja uma obra prima, está longe de ser desprezível e tem cenas memoráveis. Os dois protagonistas ficaram muito à vontade no clima dos anos setenta. Bale está impagável como o fanfarrão corrupto e Amy Adams, simplesmente divina. Ela exala sexualidade com seus generosíssimos decotes e conquista o espectador com um olhar irresistível. Uma pena que concorra com atrizes superiores e com muito mais chão. A trilha sonora salva um pouco, com clássicos de Clapton e Paul McCartney.
No mais, um Bradley Cooper que parece não saber o que está fazendo ali e a super estimada Jennifer Lawrence se esforça tanto, mas convence em poucos momentos. Suas bochechas e seu ar esnobe definitivamente não combinam com a personagem, uma perua burra e descontrolada, cujo filho poderia ser personagem chave no filme, mas é simplesmente esnobado e esquecido pelo roteiro. Roteiro, aliás, que parecia bom, mas acaba sendo destruído pela montagem e por uma direção inconstante, sem padrões e estilo definidos. Talvez Russel seja a figura mais super estimada do cinema americano contemporâneo. Ele parece ter filmado cada cena esquecendo que em algum momento precisaria encaixá-las para montar um longa.
Por fim, a história é interessante, mas peca por ter várias reviravoltas na última meia hora e, por isso, acabar de forma confusa. O leitor pode ter certeza de que trata-se de um bom filme, mas não temos palavra melhor para defini-lo do que "superestimado", assim como seu diretor e sua atriz que vergonhosamente ganhou o Globo de Ouro e aparece como favorita ao Oscar da categoria.
O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese
O longa conta a história real de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um homem de origem pobre que enriquece cometendo inúmeras ilegalidades quando trabalhava como corretor na bolsa de valores nos Estados Unidos e que levava um vida de exageros, festas luxuosas e inimagináveis extravagâncias, como o lançamento de anões em vez de dardos em um alvo. O melhor ator do ano se entrega de forma comovente e insana ao papel, curte cada momento, é engraçado ou triste e digno de pena sempre que o roteiro exige. Jonah Hill, outro possível vencedor do prêmio de coadjuvante, viaja junto com DiCaprio e também se diverte divertindo.
O gênio Scorsese tem total controle sobre cada ação, cada cena é feita como se fosse a última da vida de cada ator. Poucas vezes o lema “viva rápido e morra jovem” foi levado tão à risca dentro da tela. É simplesmente impossível recusar o convite para entrar em um mundo tão deliciosamente politicamente incorreto e pecador. Extasiados, não temos tempo para julgar Belfort pelas suas infrações. Este é o ponto principal que eleva O Lobo de Wall Stret a melhor filme do Oscar e a um marco do cinema contemporâneo.
Essa obra foi feita por um dinossauro, um dos maiores diretores que o cinema mundial já viu.
Ele ignora seus cabelos brancos e segue fazendo filmes ágeis, jovens.
Essa é a diferença entre um diretor competente e um gênio da sétima arte. Se um realizador comum quisesse que o personagem não fosse julgado, ele usaria de argumentos cabíveis para isso. Scorsese simplesmente empilha cenas magistralmente dirigidas, com sutis passagens de tempo e um humor refinado, que em nenhum momento fica pedante. Vá ao cinema e prepare-se para momentos mágicos e para uma aventura de sentimentos e emoções, além de muitas risadas. Filme do ano.
Nebraska, de Alexander Payne
Bruce Dern concorre ao Oscar de melhor ator como o senhor que acredita que ganhou um prêmio de um milhão de dólares e tenta convencer seus familiares a viajarem três estados americanos com ele para receber a bolada. Todos sabiam que se tratava de uma farsa, mas o idoso insistia. “Quanto tempo mais ele viverá? Deixa ele viver esse sonho”, exclama o filho que topa percorrer o longo caminho por puro amor ao pai.
O cinema artístico está presente aqui. Os planos são belíssimos, parecem uma pintura, através de uma fotografia impecável em preto e branco, que merece o Oscar da categoria. A direção de Payne é lenta e permite que o roteiro de Bob Nelson brilhe, desenvolvido sem pressa, com pausas estratégicas claramente feitas para que possamos sentir muito, em vez de pensar. Nebraska tem personagens engraçados e propositalmente caricatos, para que façam contraponto com a poesia e a sensibilidade do protagonista. A obra não subestima o espectador, pois Bruce Dern comporta-se como um idoso real, às vezes romântico e gentil e, em outras, ríspido. A inocência dele é levada ao extremo e acaba por aumentar o charme da obra.
Após grandes momentos de sonho, há o golpe no momento em que ele descobre a farsa e tem seu prêmio recusado pela atendente. O final é realista, mas não é cruel, devido à sensibilidade do autor, que nos prepara para o baque, nos mostrando aos poucos as lembranças e angústias daquele homem que tanto sonhou, até a idade avançada, com uma vida financeira melhor, que lhe permitisse maior conforto e sua tão desejada caminhonete. Uma fábula sobre a velhice, seu desespero e a proximidade da morte que obriga a lembrar dos angitos anseios que provavelmente não serão realizados. O filme do ótimo Payne mereceria um prêmio especial por contribuição artística, mas como vivemos na vida real, fiquemos felizes pelo reconhecimento da indicação e com o prêmio de fotografia, que também seria justo se fosse entregue ao filme dos irmãos Coen.
Philomena, de Stephen Frears
A história real de Philomena Lee (Judi Dench), uma freira que é convencida de que seu filho é fruto de um pecado e que por isso ele deve ser doado, como punição para esse delito. Começa o drama dessa mulher, que esperaria 50 anos para tentar descobrir o paradeiro do menino. Em nenhum momento, ela culpa a igreja, ao contrário do jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan), que a ajuda na empreitada e suga toda a mágoa que poderia haver nessa história e jura, enraivecido, que jamais teria perdoado tamanho mal causado pelas religiosas.
A obra deixa no ar uma crítica à igreja católica e tem como ponto positivo o fato de não entrar no mérito da discussão, simplesmente deixar a questão para o julgamento do público. Uma direção fraca simplesmente filma o bom roteiro adaptado e acerta somente nos closes do incrédulo jornalista diante das frases hilárias e inacreditáveis da puritana idosa.
Em suma, uma história que tinha tudo para emocionar, mas poucas vezes consegue e uma atuação fofa (desculpa, não tem como encontrar outro adjetivo) de Dench, mas sem chances de vencer o prêmio maior da categoria. O roteiro adaptado talvez vencesse se não concorresse com os gigantes Lobo de Wall Street e 12 anos de Escravidão.
Gravidade, de Afonso Cuáron
O que dizer do filme mais comentado do ano? Está em cartaz há meses e segue dando o que falar em Porto Alegre. Alguns amam, elogiam empolgados, outros exclamam: “nem tenho vontade de ver”. Por ser um filme extremamente técnico e aparentemente com pouca ação, acaba chamando a atenção do cinéfilo que cultua obras feitas para sentir e não para ver. Também foi adorado pelos fãs de blockbuster, devido à dupla super popular de atores (Bullock e Clooney); e pela academia, pela sua inegável qualidade técnica.
A história não é relevante, uma vez que devemos nos apegar ao sentimento que ela nos causa e ao total desamparo sofrido pelos indivíduos em questão, transmitidos muito bem por Sandra Bullock em bom momento. Clooney fica praticamente como um espelho para a atuação dela, claramente o foco de Cuarón. Tanto que a vida dele só é lembrada e valorizada no momento em que ele precisa salvar a pele da musa do filme. Ela não tem talento o suficiente para segurar tamanha responsabilidade o tempo todo. E o diretor, ciente disso, foca na elasticidade de sua atriz e, nesse sentido, ela não decepciona. Com poucos planos close-up e planos-sequência memoráveis, Gravidade entra para a história do cinema como um filme vindo de outro mundo, que merece ganhar todos os prêmios técnicos e a estatueta pela genial direção.
Mas o cinema cruza os dedos para que não ganhe os prêmios para o roteiro omisso e para a atuação que só não compromete graças à pertinente direção.
Blue Jasmine, de Woody Allen
Woody Allen acerta em cheio com mais um roteiro que só não merece o Oscar por concorrer com o imbatível
Ela. Se existisse um prêmio especial para melhor criação de personagem, alguém já teria levado a estatueta para a casa do velho Woody, uma vez que ele nunca vai à cerimônia. Cate Blanchett, a melhor atriz do ano, compreende e vive todas as nuances de Jasmine, uma ex-rica que se vê obrigada a lutar pela sobrevivência e a entrar em um mundo de classe média baixa após a prisão de seu marido corrupto. Ela se reaproxima da sua irmã Ginger (Sally Hawkins) com o objetivo de se reerguer, mas o estilo de vida errante e o namorado beberrão dela fazem com que Jasmine se sinta mais excluída e aquele ambiente se torna incompatível com a senhora de classe alta, acostumada com ótimos vinhos e frequentes viagens. Allen, outra vez genial, traça um comparativo entre o passado e o presente da vida de sua musa. Os bares sujos, a casa apertada e o afeto da irmã contrastam com o luxo dos locais antes frequentados por ela e com o marido, que a trata como simples objeto. Blanchett se apaixona pela sua personagem, evidentemente impulsionada pelo talento de seu diretor, que pensou em cada detalhe. Woody Allen entregou um filme com mais do mesmo. Os fãs, sempre fiéis, e a academia, gostaram.
Álbum de família, de John Wells
Se você está com problemas com algum ente querido e está pensando em nunca mais falar com ele. Ou se você vive em um ambiente familiar hostil e cruel, com línguas más e afiadas, por favor, vá ao cinema assistir Álbum de Família. Será o filme da sua vida. Meryl Streep está genial como a mãe que acaba de perder o marido e passa a lembrar do passado, apesar de todos quererem esquecê-lo. Mágoas vividas são trazidas à tona e o brilhante elenco fica atônito em roda da mesa de um jantar que parece não ter fim. Impossível não sentir raiva de Meryl a cada frase proferida por ela, que mais parece uma faca cortando os egos e a esperança de ignorar um passado que agora se faz presente. O falecido poucas vezes é citado. A narrativa deixa, com sabedoria, a responsabilidade com os atores. Julia Roberts e Chris Cooper lideram um grupo de coadjuvantes de primeira e carregam o filme com naturalidade, capitaneados por uma atuação divina da recordista em indicações para melhor atriz.
Peço desculpas ao leitor, pois não tive a oportunidade de assistir Clube de Comprar de Dallas. Portanto, não posso comentá-lo.
Melhor filme - Eu quero que ganhe O Lobo de Wall Street. Vai ganhar, provavelmente, 12 anos de Escravidão
Melhor direção - Eu quero que ganhe qualquer um que não Russell. Vai ganhar McQueen ou Cuáron
Melhor ator - Quero que ganhe DiCaprio. Vai ganhar McConaughey
Melhor atriz - Quero e vai ganhar Cate Blanchett
Melhor ator coadjuvante - Quero que ganhe Barkhad Abdi ou Jonah Hill. Vai ganhar Jared Ledo
Melhor atriz coadjuvante - Quero que ganhe Lupita Nyong'O ou Sally Hawkins. Vai ganhar Lupita Nyong'O ou Lawrence
Melhor roteiro original - Quero que ganhe e vai ganhar Ela.
Melhor roteiro adaptado - Quero que ganhe e vai ganhar 12 anos de escravidão ou O lobo de Wall Street.