quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A minha e a sua infelicidade


Após ler esse texto, você perceberá que sua felicidade é uma mentira que contaram para você. Se não foi contada por outros, foi uma besteira que você mesmo, em uma atitude inconsciente e desesperada, obrigou-se a acreditar.
Prova número um: Você precisa deixar de ser você para conquistar aquilo que você quer. Logo, quem conquista não é você, mas o “ser” que você foi obrigado a se tornar para obter tais resultados. No final, você ficará feliz? Não, porque você não será mais você. O ser humano vai se adaptando e se transformando. Portanto, o “você” que conquistou será sempre diferente do “você” que antes queria aquilo que foi conseguido.
Exemplificando: Imaginemos uma pessoa de 17 anos que deseja muito ser professora de matemática. O primeiro passo dela será estudar muito, devorar os livros para passar no vestibular. Mesmo sendo uma apaixonada por exatas, terá que saber diferenciar os tipos de rochas, não poderá nem pensar em chegar ao dia do vestibular sem lembrar o que é uma meiose, uma mitose, um dígrafo. Quem são os autores que representaram a geração “mal do século?” Mal do século é ela ter que estudar esse tema, sem ter o menor interesse.
Ao chegar à faculdade, ela encontrará todos os tipos de pessoas e terá que se adaptar àquele novo estilo de vida. Comer no R.U, esperar ônibus ou depender de uma van, do pai que busca. Ela adorava dormir até tarde. Se estudar à noite, ele perderá parte da vida noturna. Caso o turno de estudo for a manhã, pior ainda. Alguns amigos de escola trocarão de cidade, também em busca do maldito sonho. As festas que costumava frequentar já não lhe serão “permitidas”, pois são “coisa de ensino médio”.
Depois de se formar, terá que agradar ao dono de um cursinho ou passar em um concurso público para conseguir realizar seu grande desejo. Relembrar a forma correta de usar a crase e os “porquês” ou mudar de personalidade, mais uma vez, para satisfazer outra pessoa? Me digam, amigos. O que restou daquela jovenzinha que tanto se esforçou para chegar até ali? Só o nome.
Não tem para onde fugir. Se você não fizer nada na vida, não terá emoções nem realizações. Se tentar fazer algumas coisas, a maioria dará errado. E o que der certo, não trará satisfação, exatamente pelo motivo citado acima. Por isso, o gênio Schopenhauer defendia com grande inteligência que, no inferno que é a vida, devemos encontrar um recanto à prova de fogo. Essa fuga, de acordo com o autor, é a arte. (em breve, neste blog, um texto tratando da arte como recanto à prova de fogo).
Prova número dois: Você já pensou qual é a tendência das inúmeras situações da vida? Por exemplo, se você comer tudo que você quiser e praticar exercícios físicos somente quando realmente tiver vontade, com qual peso e em quais condições de saúde você chegará aos 40 anos? Se você conseguir sobreviver, você será obeso. Bem obeso. Não minta para você mesmo,  nem para mim. Admita que se você não se esforçar nem um pouco e comer só aquilo que realmente lhe apetece,  seu cardápio diário seria carne gorda, batatas fritas, ovo frito, X bacon, pizza com muito queijo, bastante maionese e muito refrigerante ou cerveja. Esses são só alguns exemplos, mas não diga que seu prato preferido é alface, por favor. Chá? Só porque você faz um esforço.
Você jamais serviria brócolis e ficaria uma hora na academia ou na esteira. Ora, se o normal e natural te faria mal, então o natural e normal da vida é ela dar errado. Eu sei que talvez você ache que gosta de ir à academia, mas pode dizer para você mesmo, agora, enquanto lê esse pretensioso texto, que ficar no sofá com o controle remoto na mão é muito mais prazeroso. Você tenta se enganar, porque somos convencidos desde a infância a sermos infelizes e a não fazermos o que gostamos. “Não come salgadinho, come fruta”, dizem as mães bem intencionadas. Ora, como elas foram instruídas dessa forma, acabam perpetuando, obedientemente, a infelicidade. Mas preciso dizer que elas são vítimas e não carrascos. Eu faria o mesmo pelo meu filho.
Se a vida fosse feita para dar certo, você não precisaria se esforçar para chegar à meia idade com saúde. Repito, o comum é a vida dar errado.
Prova três: Quantos dedos você tem? Bom, se você não for o Lula, você tem vinte. Certamente você já chutou o chão e ficou com um dos vinte doendo muito. Tente lembrar-se desse dia. O que mais chamou a atenção, o dedo machucado ou os outros dezenove bons? Não minta. Você teve que fazer um grande esforço para tentar esquecer-se do dedo dolorido. Preste bastante atenção. Mais uma vez foi preciso esforço para esquecer-se  do que estava ruim e lembrar-se do que estava bom. Fazer força para fugir do destino natural da vida, a dor.
Para finalizar esse argumento: quando você vai ao supermercado comprar dez itens e encontra nove, qual que mais vem à sua mente depois de chegar em casa com as compras? É terrível essa vida, não é mesmo? O queijo está ali na sua mesa, o suquinho também, mas o controle da TV está sem pilha e você não comprou. O café será ruim, porque você terá que levantar da cadeira cada vez que quiser trocar o canal. Se faltasse o suco, o pão teria dificuldade para descer e de nada adiantaria o controle remoto funcionando. A garganta seca, com farelos, seria o centro de sua atenção.
Prova quatro:  a convivência com os amigos e familiares. Pense nas pessoas que você mais ama. Quantas vezes você fica irritado e de mau humor por conta de alguma atitude delas? O natural nesses momentos seria você xingar, brigar, gritar, pois essa é a vontade que simplesmente vem sem que você peça. Cabe ao animal, ao homem das cavernas que se acha culto, controlar seu instinto, respirar fundo e, em mais um ato de grande esforço para inverter a lógica da vida, conversar de forma educada.
Estamos falando daqueles pelos quais você tem grande apreço. Imagine se fosse com alguém por quem você não tem quase nenhum carinho. A vontade, às vezes, é soquear até a morte. Uma pena que o homo sapiens domesticado não possa ferir seu semelhante.
Sem esforços, infalivelmente, você será infeliz. Se fizer o impossível para conseguir seu recanto à prova de fogo, perceberá, no final, que teria sido bem melhor se toda a humanidade tivesse se atirado no lago e morrido queimada de uma vez.


A imagem ao lado é do genial filme A Rotina tem seu encanto (1962), de Yasujiro Ozu, o cineasta do cotidiano.